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Pré-qualificação no regime diferenciado de contratações

 

Publicado em: Revista Digital de Direito Administrativo, v. 1, p. 392-408, 2014.

 

Juliano Heinen

 

RESUMO

 

O presente trabalho aborda, por meio de uma análise crítica, os principais aspectos no que se refere aos procedimentos auxiliares, dando-se ênfase ao procedimento de pré-qualificação do Regime Diferenciado de Licitações. A pré-qualificação consiste na antecipação da fase de habilitação, momento em que se qualificam pessoas ou bens para que possam participar de várias licitações. Em um único momento, qualificam-se os interessados que, caso habilitados, estão aptos a participar de vários certames públicos pertinentes a esta pré-qualificação. É um ato administrativo com a presença de critérios objetivos de julgamento, precedida de um devido processo legal. Para tanto, a pesquisa desenvolvida traz à tona possíveis soluções às incongruências compreendidas frente aos textos legais que tratam da matéria. Conclui-se, por fim, o estudo sobre o mencionados procedimentos ainda é prematuro, a ainda revelar, portanto, intensos debates.

 

ABSTRACT

 

This paper discusses, through a critical analysis of the main aspects in relation to ancillary procedures, giving emphasis to the pre-qualification scheme differential treatment of public contracts. Prequalification is the anticipation of the qualification phase, at which qualify persons or property so that they can participate in multiple auctions. In a single moment-qualify if the parties that, if enabled, are able to participate in various public competition relevant to this prequalification. It is an administrative act with the presence of objective criteria of judgment, preceded by due process of law. Therefore, the research conducted brings out possible solutions to the inconsistencies understood against legal texts dealing with the matter. In conclusion, finally, the study of the mentioned procedures is still premature to reveal yet, so intense debate. Therefore, the study conducted brings out possible solutions to the inconsistencies understood against legal texts dealing with the matter. We conclude, finally, the study of the mentioned legal procedure is still premature to reveal yet, so intense debates.

 

PALAVRAS-CHAVE

 

Licitação; Regime Diferenciado de Contratações; pré-qualificação; procedimentos auxiliares.

 

KEYWORDS

 

Public selection; differential treatment of public contracts; prequalification; procedure auxiliary.

 

SUMÁRIO

 

Introdução; 1 Procedimentos auxiliares; 2 Pré-qualificação ou pré-qualificação permanente; 2.1 Objeto da pré-qualificação – espécies; 2.2 Da possibilidade de licitações restritas; Conclusão.

 

Introdução

 

Especificamente sobre o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), pode-se dizer que foram os importantes eventos esportivos que o Brasil vai sediar que iniciaram o debate sobre a necessidade de se promover um câmbio nos procedimentos licitatórios, especialmente no que se refere aos dispositivos da vetusta e atual Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93). Uma causa bastante significativa neste aspecto consiste na certeza de que esta regra não dá cabo de lançar soluções a contento aos problemas atuais. Sua defasagem é considerada notória. Dessa forma, como dito, esta responsabilidade em sediar eventos de repercussão mundial fez com que se repensasse as formas de contratação pública tradicionais, ao ponto de se concluir pela imprescindibilidade em se modificar o regime licitatório tradicional, apresentando-se outro modelo, que foca em resolver os problemas destes acontecimentos esportivos.

 

Assim, a princípio, criou-se um arranjo jurídico transitório e casuístico. Contudo, tanto o Governo federal, como a própria doutrina apostam que este procedimento será o novo arquétipo normativo das licitações brasileiras, ao ponto de se tornar o protagonista no que se refere ao regime dos certames administrativos que visam a franquear as contratações públicas. Até porque, como será percebido adiante, não só já se produziram mudanças ao modelo geral, como o regime diferenciado foi estendido perenemente a outros setores nodais à Administração Pública (v.g. saúde e educação).

 

Antes do advento do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), surgiram outras tentativas de implementar um novo modelo jurídico para as licitações dos eventos esportivos mundiais que o Brasil sediará, como a Medida Provisória (MP) nº 489/10, que não foi apreciada no tempo devido, o que fez com que ela perdesse seu objeto. Após, foi editada a MP nº 503/10, a qual sofreu uma série de emendas, sendo, por fim, este ato normativo rejeitado por inteiro. Além disso, a MP nº 521/10, que também tratava da matéria, teve o mesmo destino.

 

O curioso é que o RDC nasce da apreciação da MP nº 527/10, que tratava de outro tema (sobre a estrutura e o regime jurídico dos aeroportos). No limiar do processo legislativo foi apresentada uma emenda que acabou levando a efeito e vigência o modelo licitatório em questão. Então, esta Medida Provisória acabou sendo convertida na Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, a qual disciplina o procedimento denominado de “Regime Diferenciado de Contratações” ou “RDC”[1].

 

Cabe destacar, justamente, que é esta uma das críticas feitas ao regime, porque este foi apresentado e gestado em um contexto completamente diverso, ou seja, como se fosse um rescaldo de uma legislação que, definitivamente, não tratava de licitações e de contratos administrativos. Era como se este novo modelo licitatório tivesse sido “encaixado” em outra legislação não afeta diretamente ao tema.

 

Contudo, muito do que se questiona no que se refere ao RDC é fruto de um rompimento de paradigma, o que naturalmente causa certa contingência. É trivial que todo câmbio normativo gere um atrito à harmonia jurídico-normativa estabelecida. Se nos debruçarmos o longo do da lei, perceberemos que o RDC não necessariamente trouxe novidades bastantes a se perfazer tamanha celeuma em cima dele, dado que ele se aproxima, em larga medida, com o procedimento do pregão (Lei nº 10.520/02). Dessa forma, concluímos que o referido regime não necessariamente revoga a Lei do Pregão ou a Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, muito embora o regime diferenciado venha a ter o propósito de ser uma compilação entre as duas leis, somada à incorporação, em seu texto, dos entendimentos contemporâneos da Corte de Contas federal.

 

Há, no limiar do seu manancial de regras, uma conjunção de boas técnicas constantes nos outros modelos licitatórios, agregando-se, ao texto legal, outras soluções já apontadas pela doutrina e pela jurisprudência, principalmente do Tribunal de Contas da União (TCU). Dessa maneira, o RDC tem por escopo, em essência, romper com o anacrônico modelo licitatório então vigente, viabilizando boas práticas que intentam conseguir dar maior celeridade aos procedimentos licitatórios, combater eventuais fraudes nesta seara, permitir a eficiência na viabilização das obras e nos serviços públicos tão necessários à Nação etc.

 

Logo, pode-se dizer que o regime em pauta é uma tentativa de perfazer um câmbio na conjuntura que se processa atualmente. Há a necessidade de que se perceba que estas “inovações” trazidas por este prematuro regime muito refletem práticas já desenvolvidas por organismos estatais, por pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública indireta ou por organismos internacionais. E assim, o RDC passa a positivar as práticas já popularizadas no limiar da própria Nação brasileira.

 

De outro lado, deve ser salientado que, nem bem a MP nº 527/11 entrou em vigor (a qual foi convertida na Lei nº 12.462/11), já foi objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI), tombada sob o nº 4.655, a qual foi promovida pela Procuradoria-Geral da República. A primeira alegação feita na referida demanda é de natureza formal, já que a referida medida provisória acabou por converter, em lei, tema estranho à proposta original, conforme salientado logo antes. Além disso, outros vícios de ordem material são ventilados, como a inconsistência do art. 1º, em não especificar quais as obras e serviços seriam pautados pelo RDC[2]; alega-se, ainda, a violação do princípio da igualdade por mecanismos como a adoção prioritária da empreitada integral em certos objetos, o sistema de pré-qualificação etc.

 

Como se não bastasse, o RDC ainda é objeto de questionamento pela ADI nº 4.645, também sendo defendida a inconstitucionalidade formal e material da lei em enfoque. Novamente volta à tona a alegação de que a competência do Poder Executivo fora usurpada, dado um abuso no poder de emendar, sem que houvesse uma ligação ainda que indireta com o objeto originário da medida provisória. Como dito, o referido ato normativo visava a criar a Secretaria de Aviação Civil, bem como perfazer algumas modificações nas normas que disciplinavam a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO). Portanto, o projeto de lei de conversão da mencionada medida provisória não tratava do RDC, sendo que o regime licitatório em questão foi acrescentado à revelia da iniciativa legislativa outrora deflagrada.

 

Em ambas as ações diretas de inconstitucionalidade afirma-se que, tanto o art. 22, inciso XXVIII, como o art. 37, “caput”, e inciso XXI, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foram desrespeitados. Isso porque, da forma como foi feito, defende-se que a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações estaria comprometida. Apontam que alguns dispositivos da Lei nº 12.462/11 usurpariam a própria competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo em disparar o processo legislativo que trate de matéria de organização administrativa.

 

Aliás, logo no seu nascedouro, o RDC sofreu duras críticas da comunidade como um todo, tais como: acusaram-no de ser um regime casuístico, ou de que geraria licitações inseguras etc. Contudo, hoje, estas vozes silenciaram-se. Ao ponto de, mais recentemente, defender-se que ele será uma espécie de “balão de ensaio” para o futuro “Código de Licitações Públicas”, que daria cabo de sistematizar todo o manancial de leis na matéria. Mas é importante ter em mente que o RDC nem de longe pode substituir a Lei n° 8.666/93, apesar de se ter uma tendência em expandi-lo a outros temas, tendo em vista que tem produzido resultados muito satisfatórios[3].

 

Temos certeza de que o modelo atual deverá ser cada vez mais debatido. E a partir desta verdade é que se deve visualizar o RDC, ou seja, analisado como uma nova modalidade que visa a trazer inéditas soluções à área de licitações e de contratos. E estas incursões inserem-se em um modelo gerencial de Administração. Temos a certeza de que ainda há muito que se debater sobre o tema, e, para tanto, deve-se dar os devidos passos neste sentido.

 

Nesse trabalho em específico, nos concentraremos em analisar um instituto específico, trazido à tona com bastante profusão pelo RDC: critérios de seleção da melhor proposta. Tal instituto tem revelado debates que vão desde a sua concepção, até a sua implementação.

 

Nesse trabalho em específico, nos concentraremos em analisar um instituto trazido à tona com bastante profusão pelo RDC: o regime da pré-qualificação, sendo este uma ferramenta destacada no que se refere aos ditos procedimentos auxiliares, o qual tem revelado debates que vão desde a sua concepção, até a sua implementação.

 

1 Procedimentos auxiliares

 

              Os procedimentos auxiliares não são institutos autônomos ou satisfativos, mas sim, afetos a melhorar a dinâmica dos demais procedimentos ou reduzir sua complexidade. Servem, portanto, aos outros ritos, porque não produzem, por si mesmos, um resultado útil à Administração Pública ou para o interessado particular. Contudo, não se pode dizer que eles não terão efeitos próprios no âmbito do RDC, podendo, inclusive, sofrer o pertinente contencioso administrativo, porque inúmeras decisões podem ali ser praticadas. O que se quer dizer, em resumo, é que tais procedimentos servirão a outros, não conservando a devida autonomia.

 

Tais ferramentas jurídicas, então, visam a prestar uma assistência ao administrador público que quer adquirir produtos ou serviços pelo regime diferenciado instituído pela Lei nº 12.462/11. Têm por missão conferir maior celeridade e eficiência ao regime diferenciado, sem deixar de obedecer a critérios claros e objetivos reclamados pelos certames licitatórios. Apesar disso, tais procedimentos conservam a sua autonomia em relação ao rito principal do RDC.

 

São ferramentas que serão criadas para auxiliar vários procedimentos licitatórios realizados sob esta modalidade, sendo que não se vinculam a um procedimento licitatório específico, porque servem a um número indeterminado de certames. Além disso, os procedimentos auxiliares visam a trazer inúmeros benefícios às licitações públicas, especialmente permitindo que se ganhe em celeridade, economicidade e eficiência. Um bom exemplo disso é que a decisão em certo procedimento auxiliar poderá ser replicada a um número indeterminado de certames licitatórios.

 

Ademais, alguns procedimentos permitem justamente que certas decisões administrativas sejam tomadas sem que se tenha urgência em produzir uma decisão, ou mesmo que a sua ausência impeça a continuidade de um certame. Dessa forma, pode-se decidir com suficiente reflexão. Isso gera um incremento à segurança jurídica, porque a decisão administrativa, então, não fica premida pelos prazos dos processos licitatórios.

 

De outro lado, o administrado vem a ser beneficiado na medida em que os procedimentos auxiliares procuram evitar a produção de decisões contraditórias. Ademais, tais ferramentas jurídicas induzem à redução dos custos do certame. Em certos casos, é desnecessário que se apresente uma série de documentos em cada um das licitações, porque eles valem para vários certames.

 

Contudo, o rol de procedimentos auxiliares deve ser aplicado com parcimônia, na medida em que se devem evitar certos riscos, como a perda de atualidade dos dados fornecidos, a perda da economia de escala e a inadequação a certos certames licitatórios, Aliás, quanto a este último e específico aspecto, deve-se ter cuidado no sentido de selecionar um procedimento auxiliar que se adapte ao certame licitatório em curso e ao objeto a ser contratado. Então, o desafio que se põe à frente consiste em se conseguir com que as decisões padronizadas não percam de mira certas situações excepcionais, bem como que, com o tempo, os atos tomados e as informações colhidas não fiquem desatualizadas. Sem contar que, como é notório, deve o Poder Público ser diligente em evitar qualquer tipo de direcionamento ou cartel por parte dos interessados em contratar com os entes estatais.

 

Por todo o exposto, consegue-se uma redução bastante significativa na complexidade da atividade administrativa, dado que se evita a repetição de atos desnecessários. Sem contar que os custos estimados aos licitantes, gastos para se participar das disputas, são sensivelmente reduzidos.

 

              O RDC, no art. 29, discriminou que são procedimentos auxiliares das licitações regidas pelo disposto nesta Lei:

 

  1. pré-qualificação permanente – art. 30;

 

  1. cadastramento – art. 31;

 

  1. sistema de registro de preços (SRP) – art. 32; e

 

  1. catálogo eletrônico de padronização – art. 33.

 

Como antecipado logo na introdução, nesse trabalho nos concentraremos em analisar apenas no procedimento de pré-qualificação.

 

              3 Pré-qualificação ou pré-qualificação permanente

 

A análise dos documentos de habilitação, por vezes, gera um encargo muito grande à comissão de licitação, especialmente quando estão concorrendo muitos interessados, e os documentos apresentados exigem uma análise técnica complexa e apurada. Assim, esta fase do procedimento torna-se sensível e, não raras vezes, alvo de recursos administrativos e de contendas judiciais.

 

Com o fito de justamente permitir a desburocratização do procedimento, o legislador entendeu por bem antecipar esta fase, permitindo que esta pré-qualificação possa ser utilizada para várias licitações. Veja que, em um único momento, qualificam-se os interessados que, caso habilitados, estão aptos a participar de vários certames públicos pertinentes a esta pré-qualificação. Assim, antecipa-se a fase de habilitação, filtrando as empresas ou os bens que estão aptos a participarem de concorrências futuras. Em resumo, após o devido processo, pautado por critérios predeterminados e objetivos, tendo por meta qualificar certas pessoas ou objetos, para efeito para futuros e indeterminados certames. Em termos sintéticos, a pré-qualificação permanente é um ato administrativo com a presença de critérios objetivos de julgamento, precedida de um devido processo legal.

 

Note que este procedimento auxiliar se desvincula de um procedimento específico, porque pode ser aplicada a vários certames que se sucederão. Além disso, importante notar que este procedimento auxiliar não dispensa o respeito aos direitos fundamentais e aos princípios administrativos.

 

              Imagine o caso de a Administração precisar, por certo período, de determinados materiais de construção. Ela faria a habilitação prévia dos interessados ou dos bens de que necessita. Assim, em aquisições posteriores, dispensar-se-ia esta fase, gerando uma economia significativa de recursos e de tempo.

 

A vantagem auferida com este procedimento centra-se na agilidade e na celeridade implemenadas, porque a decisão sobre os requisitos da qualificação não atravanca qualquer procedimento licitatório, tendo em vista que correm em apartado, sem atrelamento de um ao outro. Além disso, tem-se tempo para decidir sobre eventual impugnação, sem a pressão de concluir o julgamento que atrasa o procedimento da licitação. Da mesma forma, a pré-qualificação evita decisões contraditórias, porque se aplica de modo uniforme a vários procedimentos. Por outro lado, impede, igualmente, a perda de atualidade dos documentos, bem como a necessidade de ter de juntá-los novamente quando da assinatura do contrato, o que elimina sensíveis custos aos licitantes. De todo modo, a aplicação da pré-qualificação permanente também não pode ser generalizada. Há certas licitações que são específicas e possuem peculiaridades, o que foge do escopo do instituto em comento.

 

              A partir desse procedimento auxiliar geram-se, como produto final, dois efeitos:

  1. Declaratório: enuncia-se que determinado sujeito preenche os requisitos gerais e/ou específicos (a depender do que for fixado pela Administração Pública neste sentido), ou que certo bem atende a um dado grau de qualidade;

 

  1. Constitutivo: o particular fica habilitado para outros certames no que se refere aos requisitos da pré-qualificação, ou um produto é declarado satisfatório, não se podendo questionar e estas condicionantes em licitações que se sucedem.

 

Como produto final, será fornecido certificado aos pré-qualificados, renovável sempre que o registro for atualizado[4]. Contudo, os dados do certificado devem apresentar, sempre, a maior atualidade possível, tanto que o referido documento somente poderá ter validade por no máximo um ano[5]. Contudo, o Decreto federal nº 7.581/99 estabeleceu outra restrição: a validade da pré-qualificação de fornecedores não será superior ao prazo de validade dos documentos apresentados pelos interessados – parágrafo único do art. 82. 

 

Tal procedimento auxiliar não é um mecanismo novo, porque já outrora consagrado na Lei nº 8.666/93, art. 114, e tem por meta justamente desburocratizar uma das fases mais complexas do procedimento licitatório: a habilitação. O procedimento de pré-qualificação constante na lei geral de licitações é muito semelhante ao instituto inserido no regime diferenciado. Tanto que a publicidade de ambos muito se assemelha.

 

Mas os institutos disciplinados nestes dois diplomas normativos (lei geral e RDC) não se confundem. A primeira diferença pode ser estabelecida quando se visualiza que o instituto da pré-qualificação, previsto no art. 114, da Lei nº 8.666/93, está atrelado exclusivamente à modalidade de concorrência, enquanto que aquele, previsto no art. 30, da Lei nº 12.462/11, liga-se a qualquer procedimento e, por isso, apresenta a natureza de ser “permanente”.

 

Na mesma medida, a pré-qualificação permanente disciplinada no RDC possui outras diferenças para com aquela, de mesmo nome, inserida na Lei Geral de Licitações e Contratos. O referido art. 114 trata de uma qualificação prévia a ser efetivada para uma licitação específica, a ser focada nos requisitos de ordem eminentemente técnica. Já a Lei nº 12.462/11 (art. 30, incisos I e II) permite a antecipação da qualificação não para uma disputa específica, mas para variados procedimentos que possa tomar por base a habilitação antecipada. Com isso, intenta-se impor uma análise mais detida sobre estas condicionantes, porque avança a uma análise não só de requisitos técnicos, mas, igualmente, relativos à qualidade do licitante ou de um bem. As diferenças, então, podem ser especificadas assim:

 

Art. 114, Lei nº 8.666/93

Art. 30, Lei nº 12.462/11

Pré-qualificação efetivada para uma licitação específica

Pré-qualificação efetivada para uma ou mais licitações

Analisam-se apenas os requisitos técnicos

Analisam-se os requisitos técnicos e relativos à qualidade do bem[6]

 

De outro lado, a pré-qualificação não se confunde com o cadastramento e com o catálogo de padronização (dispostos pela própria Lei nº 12.462/11). A primeira é anterior aos institutos em questão, porque visa a avaliar o comportamento do mercado, ou seja, perceber como ele reage a um eventual certame público, bem como podem ser colhidos valiosos dados às futuras contratações a serem realizadas. É um importante passo para a coleta de informações técnicas de produtos, p. ex., não adquiridos usualmente pela Administração Pública. Dependendo do resultado da pré-qualificação, pode-se optar, inclusive, pela contratação direta, porque se percebeu, no caso, que não há potencialidade nenhuma para eventual disputa. Ou, ainda, neste caso, os órgãos estatais podem modelar as exigências, alterando-as, a fim de permitir uma menor restrição à competitividade.

 

              Dessa forma, a grande vantagem do instituto constante no regime diferenciado consiste no fato de que a pré-qualificação permanente, como o nome já diz, estar aberta de maneira perene, ou seja, sem prazo fixo, para todos aqueles que possuem interesse na qualificação antecipada. Já os certames em geral possuem prazo determinado para a qualificação dos interessados.

 

Uma medida importante tomada pelo § 1º do art. 30 consiste em deixar a pré-qualificação permanentemente aberta para a inscrição dos eventuais interessados. Contudo, ela terá validade de até um ano, podendo ser atualizada a qualquer tempo (§ 5º). Assim, a empresa interessada tem sua pré-qualificação garantida por até doze meses, salvo no se o prazo de validade dos documentos expirar em data anterior[7].

 

Outro dispositivo interessante consta no § 4º do art. 30, porque se permite que a pé-qualificação seja feita de maneira parcial. Significa dizer que o ente estatal, p. ex., pode identificar aqueles requisitos mais complexos, mais tormentosos nas habilitações e perfazer esta qualificação de modo prévio. Então, as outras condições de habilitação serão analisadas em cada certame que se processará[8].

 

Ao final do processo de pré-qualificação, emite-se um certificado àquele que logrou êxito em cumprir com as determinações necessárias[9], até porque a decisão sobre a habilitação, já realizada pelo procedimento auxiliar, não será mais discutida no limiar do certame. Este documento poderá ser renovado a cada nova pré-qualificação, dado que os certificados possuem, sempre, um prazo definido de validade.

 

No entanto, impõe-se que o interessado informe ao Poder Público as alterações que ocorram na sua qualificação, como, p. ex., no caso de se modificar o seu quadro de técnicos etc. Da decisão que defere ou nega o pedido de qualificação antecipada, cabe recurso no prazo de cinco dias, cujo início se dá a partir da intimação da decisão ou da ata que acolha ou indefira o pedido – art. 45, inciso II, alínea "a" da Lei n° 12.462/11.

 

A pré-qualificação será convocada de maneira discricionária pela Administração Pública, sempre que esta julgar conveniente. No caso, o ato de convocação explicitará as exigências de qualificação técnica ou de aceitação de bens, conforme a situação[10]. Neste caso, tal ato deverá deter as seguintes formalidades:

  1. publicação de extrato do instrumento convocatório no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, conforme o caso, sem prejuízo da possibilidade de publicação de extrato em jornal diário de grande circulação; e

 

  1. divulgação em sítio eletrônico oficial centralizado de publicidade de licitações ou sítio mantido pelo órgão ou entidade[11].  

 

Da decisão acerca da pré-qualificação cabe recurso no prazo de cinco dias úteis, contado a partir da data da intimação ou da lavratura da ata do ato que defira ou indefira pedido de interessados[12].

 

2.1 Objeto da pré-qualificação – espécies

 

Para o RDC, considera-se pré-qualificação permanente o procedimento anterior à licitação, destinado a identificar duas coisas (art. 30, “caput” e incisos I e II)[13]:

  1. Pré-qualificação subjetiva (art. 30, inciso I): visa a habilitar fornecedores que reúnam condições de qualificação exigidas para o fornecimento de bem ou a execução de serviço ou obra nos prazos, locais e condições previamente estabelecidos[14]. Cabe aqui uma ressalva no sentido de que o art. 80, inciso I, do Decreto federal nº 7.581/11, restringiu os requisitos de habilitação permanente aos meramente técnicos, fazendo, assim, uma restrição em relação à Lei nº 12.461/11 (de hierarquia superior). Além disso, os requisitos da pré-qualificação subjetiva não podem destoar daqueles catalogados no art. 30, da Lei n° 8.666/93 – requisitos de qualificação técnica; e

 

  1. Pré-qualificação objetiva (art. 30, inciso II): visa a qualificar bens que atendam às exigências técnicas e de qualidade da administração pública. Na pré-qualificação objetiva confere-se ao beneficiado uma espécie de certificado de qualificação de determinado produto.

 

Percebe-se, assim, que a pré-qualificação subjetiva e objetiva têm por meta identificar pessoas ou bens que possam satisfazer as necessidades da Administração Pública que se farão incidentes de maneira sucessiva (permanente), nos prazos, locais e condições previamente estabelecidos. Destaca-se que se pode qualificar um interessado que forneça determinado bem, ou um bem entregue por vários interessados. Intenta-se, assim, gerar efeitos em certames licitatórios ou contratações administrativas futuras.

 

A pré-qualificação objetiva vem a resolver um problema encontrado no procedimento do pregão, porque, neste âmbito, tinha de se exigir amostras, e isto atravancava o procedimento. Assim, antecipa-se este processo por meio do instituto ora comentado. Claro que admitimos a possibilidade de que este tipo de pré-qualificação seja feito sem amostras. Mas o usual seria o contrário, ou seja, requerer a prova. Além disso, este tipo específico de procedimento auxiliar será aplicado exclusivamente nas licitações para efetivar contratos de compra. Sendo assim, não poderá ser utilizado para os casos de contratos de serviços ou de obra[15].

 

A avaliação feita na pré-qualificação objetiva deve ser aprofundada, devendo ser específica, ou seja, deve-se conhecê-lo em concreto, e não em abstrato, por meio de avaliações teóricas. Bem por isso que dificilmente se conseguirá escapar de experimentações ou da apreciação de amostras. O mero recebimento de documentos de qualidade, na maioria das vezes, não se mostrará útil à pré-qualificação objetiva.

 

              É bom que se destaque que aqueles sujeitos que foram sancionados pelo Poder Público em momento anterior e, por conta disto, estão impedidos de contratar com os entes estatais, também não poderão participar da pré-qualificação. Seria ilógico habilitar previamente um sujeito que está proibido de contratar com a Administração Pública.

 

Destaca-se que a pré-qualificação subjetiva não pode ser confundida com a figura do cadastramento – conforme já antecipamos logo no início da exposição deste tópico. Este último instituto nada mais é do que um banco de dados que indica as condições de habilitação de um futuro interessado em contratar com o Poder Público. Já o primeiro procedimento auxiliar vai além, porque reconhece, de maneira formal, que o interessado possui os requisitos de qualificação técnica, ofertando-lhe, pois, a titularidade de um direito subjetivo neste sentido. Percebe-se, assim, que a pré-qualificação possui uma decisão administrativa muito mais densa e qualificada do que o cadastramento, ou seja, uma carga decisória bem mais concreta. Então, há, aqui, uma avaliação da qualidade dos documentos, o que no primeiro não se percebe. No cadastramento, somente se tem um deposito, ou seja, um arquivamento dos documentos necessários, para não se precisar apresentá-los a qualquer procedimento no qual o fornecedor venha a participar.

 

Além disso, pode-se dizer que a pré-qualificação subjetiva pode estabelecer grupos ou segmentos de fornecedores. Exemplificando, pode-se dividir a qualificação para quem constrói vinte quilômetros de rodovia, e outra para quem faz cem quilômetros, porque a habilitação, nestes dois casos, será diferente. Assim, poderá se ter um grau de segmentação de acordo com os diversos níveis de complexidade do objeto a ser contratado.

 

Ainda, podemos classificar a pré-qualificação em total ou parcial, aplicável apenas à modalidade de pré-qualificação subjetiva.

  1. Pré-qualificação total: é exigida a habilitação prévia de todos os requisitos de ordem técnica;

 

  1. Pré-qualificação parcial: a Administração Pública pode exigir apenas parte dos requisitos de habilitação. Neste caso, haverá um direcionamento para quais especificidades se quer qualificar previamente.

 

De acordo com aquilo que foi visto, a pré-qualificação pode ser total ou parcial. No ultimo caso, poderá estar restrita a alguns requisitos de habilitação. É o caso do art. 80, do Decreto nº 7.581/11, porque optou por restringir a qualificação dos interessados apenas no que se refere aos requisitos de ordem técnica. Sendo assim, em âmbito federal, não se poderão exigir outros requisitos que não aqueles previstos no referido ato normativo. Aqui, podemos dizer que não se exorbitou do poder normativo infralegal, porque a própria lei permite que a Administração Pública restrinja os requisitos no caso de qualificação prévia. Então, a União, de maneira discricionária, optou por assim fazer a todas as licitações que correrem pelas regras do regime diferenciado e se utilizarem do procedimento auxiliar em análise.

 

Segundo depreendemos do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.462/11, pode-se previamente qualificar um sujeito “[...] parcial ou total, contendo alguns ou todos os requisitos de habilitação ou técnicos necessários à contratação.”. O § 1º do art. 80 do Decreto federal nº 7.581/11 possui redação um pouco diversa: “A pré-qualificação poderá ser parcial ou total, contendo alguns ou todos os requisitos de habilitação técnica necessários à contratação (....).”.

 

Em verdade, consideramos que o dispositivo infralegal corrigiu a legislação, ou seja, promoveu uma verdadeira interpretação autêntica – ainda que seja uma providência de discutível constitucionalidade. Passou-se a reconhecer, assim, que a alteração acabou por referendar que essa regra se aplica apenas à pré-qualificação subjetiva, porque a autoridade licitante pode querer qualificar todas ou parte das condições de qualificação técnica dos interessados. E assim posto, acabou por excluir, de quebra, a pré-qualificação de objetos.

 

2.2 Da possibilidade de licitações restritas

 

Deve-se ter atenção ao disposto no art. 30, § 2º, da Lei nº 12.462/11, porque ele permite que a licitação seja restrita aos pré-qualificados[16], conforme determine o regulamento. Neste caso, deve ser promovida uma ampla e intensa divulgação, para que outros interessados não se surpreendam com a publicação de um edital cujo certame seja restrito aos interessados.

 

Cabe referir que as licitações restritas já eram admitidas em outras áreas. Basta visualizar aquilo que dispõe o art. 3º, § 12, da Lei nº 8.666/93, o qual permite que as licitações para a implantação, manutenção e ao aperfeiçoamento dos sistemas de tecnologia de informação e comunicação poderão ser adstritas a bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e produzidos de acordo com o processo produtivo básico de que trata a Lei no 10.176, de 11 de janeiro de 2001. Sem contar que o art. 48, inciso I, da Lei Complementar nº 123/06, permite que certos certames admitam apenas microempresas e empresas de pequeno porte. Deve ficar claro que este procedimento não se presta a qualificar produtos pouco complexos. Ao contrario, deve ser focado em objetos que detenham bastante complexidade.

 

Importa perceber que, no caso de se restringir o certame somente àqueles pré-qualificados, já no edital de qualificação prévia se deveria indicar esta intenção, a fim de garantir a isonomia. Até porque, neste momento, deve-se fazer menção aos montantes e às estimativas de contratação no instrumento convocatório, bem como aos prazos para qualificação e ingresse na competição. Neste caso, não se admitiria interessados outros que não participaram da pré-qualificação. Do contrário, este procedimento se transformaria em um cadastro. Outro ponto a ser destacado: deve se cuidar para não se violar o principio da proporcionalidade ao se exigir dos participantes, no caso, requisitos excessivos.

 

Assim, para que a dita restrição aos participantes seja possível, é necessário que, cumulativamente, congreguem-se todos esses requisitos[17]:

  1. que a convocação para a pré-qualificação discrimine que as futuras licitações serão restritas aos pré-qualificados;

 

  1. que na convocação mencionada no item “a” conste estimativa de quantitativos mínimos que a Administração Pública pretende adquirir ou contratar nos próximos doze meses;

 

  1. que a pré-qualificação seja total, ou seja, que contenha todos os requisitos de habilitação técnica necessários à contratação;

 

  1. que a pré-qualificação deverá ser amplamente divulgada;

 

  1. que deverá estar permanentemente aberto aos interessados, obrigando-se a unidade por ele responsável a proceder, no mínimo anualmente, a chamamento público para a atualização dos registros existentes e para o ingresso de novos interessados;

 

  1. que só poderão participar da licitação restrita os pré-qualificados que, na data da publicação do respectivo instrumento convocatório:

(f1) já tenham apresentado a documentação exigida para a pré-qualificação, ainda que o tal pedido seja deferido posteriormente; e

 

(f2) estejam regularmente cadastrados. 

 

No caso de realização de licitação restrita, a Administração Pública deverá enviar convite por meio eletrônico a todos os pré-qualificados no respectivo segmento. Tal missiva não exclui a obrigação de atendimento aos requisitos de publicidade do instrumento convocatório (art. 86, §§ 3º e 4º, do Decreto federal nº 7.581/11). 

 

De acordo com o que se mencionou no item “b”, o ente estatal contratante deverá indicar, no instrumento convocatório, os quantitativos mínimos a serem adquiridos. Tal situação leva a crer que não se precisaria indicar os quantitativos máximos. Esta não é a melhor solução, porque prejudica a economicidade do certame. Sabe-se, de antemão, que quanto maior o montante de um produto ou de um serviço licitado, menor tende a ser o preço a ser pago por ele. Significa dizer que, se um edital previu a aquisição de dada quantidade de um produto e, posteriormente, compra-se o dobro dela, estar-se-á correndo o risco de se originar, em razão da economia de escala, uma desvantagem desmedida ao Poder Público[18].

 

Além disso, quando a pré-qualificação se der somente sobre bens, não se teria como perfazer licitação restrita àqueles qualificados antecipadamente, pelo simples motivo de que não se identificou, neste caso, licitantes em potencial. Enfim, tinha-se a intenção de qualificar tecnicamente produtos, independentemente de quem os fornecessem. Daí porque qualquer restrição relativa a fornecedores torna-se irrazoável. De outro lado, também não se poderia restringir a licitação somente quanto a bens pré-qualificados, porque, neste caso, não há previsão legal. Concluindo: quando se está diante de uma pré-qualificação objetiva , não há que se falar em licitação restrita.

 

Note que, neste caso, a competitividade ficaria altamente limitada, impedindo que outros participantes possam acessar o certame. Esta crítica é minimizada pelo fato de que a pré-qualificação está permanentemente aberta, sendo que, em momento anterior, as empresas poderiam a qualquer tempo ter buscado sua qualificação. Contudo, essa figura jurídica, mesmo já efetivada, não gera direito adquirido àqueles já habilitados. O Poder Público pode optar pela realização do certame, na hipótese em que se verifique existir potencial para uma ampla competição[19]. Assim, os qualificados possuem mera expectativa de direito[20].

 

Dessa forma, o art. 30, da Lei nº 12.462/11, mostra-se como uma disposição interessante, mas a ser aplicada com parcimônia, porque, como visto, prevê a possibilidade de se perfazerem licitações restritas a determinado segmento de fornecedores. De imediato poder-se-ia pensar que se trata de típico caso de medida normativa que viola um elemento nuclear das licitações: a competividade. Contudo, como todo o principio, ele deve ser ponderado para com os demais incidentes à espécie, não podendo ser tomado como absoluto ou mesmo concebido sem a devida ponderação. O que se quer dizer é que a competitividade pode sim ser relativizada (restringida) em determinadas situações e para se atingir outros bens jurídicos, quiçá mais relevantes. E justamente estes são os fundamentos que dão base às licitações restritas.

 

O risco que a dita restrição pode gerar é muito mais pragmático do que jurídico. Consiste no fato de que os licitantes já pré-qualificados, sabedores que o certame se limitará a eles, venham a formar, entre si, um conchavo e, p. ex., dar cabo de combinar preços. Veja que, neste caso, a pré-qualificação pode servir de verdadeira “arena” para que os interessados selecionados atuem em conluio, frustrando os princípios da seleção da melhor proposta, com o direcionamento ou rateio do objeto licitatório. Sabe-se que qualquer arranjo que traga a público antecipadamente quem são os participantes aumenta a chance de conluio.

 

Conclusão

 

Assim como tantas outras inovações produzidas nos últimos anos em direito administrativo, o Regime Diferenciado de Contratação necessita de um período de maturação. Apesar disso, sem sombra de dúvidas, ganha, hoje, um papel protagonista no cenário nacional. Aquele que seria um regime jurídico de contratações transitório e relegado a desaparecer juntamente com a entrega da última medalha dos Jogos Olímpicos de 2016, cresce e toma espaço nas relações mais triviais das contratações públicas.

 

Porém, não podemos nos enganar ao pensar que ele tenha chegado à fase adulta. Ao contrário, acredita-se que viva a mais pulsante adolescência, repleto de conflitos, dúvidas, acertos e erros, mas completamente vivo e mergulhado nas mais intensas aspirações (e contradições...) que esta fase deste ciclo da existência revela. Para tanto, apresentou-se, neste trabalho, uma análise crítica sobre pontos obnubilados no que se refere especificamente à pré-qualificação, constante na Lei nº 12.462/11 e mais bem detalhada no Decreto federal nº 7.581/11,

 

Assim, a fim de dar sistematicidade a tudo o que aqui se expôs, podemos resumir nossas conclusões nos seguintes tópicos:

  • Os procedimentos auxiliares são ferramentas jurídicas que visam a auxiliar o administrador público nas contratações administrativas, primando pela celeridade e pela eficiência. São mecanismos alternativos a viabilizar as licitações públicas de maneira mais ágil e efetiva. Eles conservam sua autonomia em relação ao RDC;

  • São definidos como procedimentos auxiliares no RDC: a pré-qualificação permanente, o cadastramento, o sistema de registro de preços, e o catálogo eletrônico de padronização;

  • A pré-qualificação consiste na antecipação da fase de habilitação, momento em que se qualificam pessoas ou bens para que possam participar de várias licitações. Em um único momento, habilitam-se os interessados que estão aptos a participar de vários certames públicos pertinentes a esta pré-qualificação. É um ato administrativo com a presença de critérios objetivos de julgamento, precedida de um devido processo legal;

  • O RDC permitiu que também aqui se exigisse amostra de bem ou de produto;

  • Ao final, emite-se um certificado àquele que foi declarado habilitado antecipadamente. Este certificado terá um determinado prazo de validade, que, quando expirado, poderá ser renovado;

  • Da decisão acerca da pré-qualificação cabe recurso no prazo de cinco dias úteis, contado a partir da data da intimação ou da lavratura da ata do ato que defira ou indefira pedido de pré-qualificação de interessados;

  • A pré-qualificação pode ser subjetiva visa a habilitar fornecedores que reúnam condições de qualificação exigidas para contratações futuras;

  • A pré-qualificação objetiva visa a qualificar bens que atendam às exigências técnicas e de qualidade da administração pública. A pré-qualificação subjetiva pode estabelecer grupos ou segmentos de fornecedores;

  • O procedimento auxiliar objetivo será aplicado exclusivamente nas licitações para efetivar contratos de compra. Sendo assim, não poderá ser utilizado para os casos de contratos de serviços ou de obra;

  • Ainda, a pré-qualificação pode ser total (quando se exige a comprovação de todos os requisitos de ordem técnica) ou parcial (momento em que se reclamam apenas parte das condições ligadas à habilitação);

  • O RDC permite que a licitação esteja restrita aos pré-qualificados;

  • Caso se opte por este cerceamento, deve-se, antes, promover a divulgação ampla da pré-qualificação;

  • Quando se realizar a licitação restrita, a administração pública deve enviar convite por meio eletrônico a todos os pré-qualificados no respectivo segmento.

 

 

 

[1] Essa legislação foi alterada pelas Leis Federais nº 12.688/12, nº 12.722/12 e nº 12.745/12, e o Decreto Federal nº 7.581/11 regulamentou a referida lei, o qual foi sistematicamente alterado, tempos depois.

 

[2] Consideramos essa alegação débil, porque mesmo a Lei nº 8.666/93 não especifica as obras a serem tuteladas por um regime geral de procedimento licitatórios.

 

[3] Destaca-se, por oportuno, que este regime é uma norma forjada conjuntamente com o TCU, inclusive no que se refere ao Decreto federal n° 7.581/11 e as alterações que se perfizeram.

 

[4] Decreto federal nº 7.581/11, art. 84.

 

[5] Lei nº 12.462/11, art. 30, § 5º.

 

[6] Muito embora, em âmbito federal, tenha-se restringido, pela via do Decreto nº 7.581/11 (art. 80), a qualificação apenas no que tange aos requisitos de ordem técnica.

 

[7] Essa ressalva, no sentido de que a validade da pré-qualificação de fornecedores não será superior ao prazo de validade dos documentos apresentados pelos interessados, foi acrescentada de maneira praeter legem pelo parágrafo único do art. 82 do Decreto federal nº 7.581/11.

 

[8] A título de complementação, a regularidade fiscal, no RDC, pode ser postergada (art. 14, inciso IV, da Lei nº 12.462/11), ou seja, avaliada em momento posterior à habilitação e somente daquele que será contratado, ou seja, do vencedor, na linha do que já dispõe a LC nº 123/06.

 

[9] Decreto federal n.º 7.581/11, art. 84.

 

[10] Decreto federal nº 7.581/11, art. 83, § 2º.

 

[11] Decreto federal nº 7.581/11, art. 83, § 1º.

 

[12] Decreto federal nº 7.581/11, art. 85.

 

[13] Com correspondência nos arts. 80 e ss., do Decreto federal nº 7.581/11.

 

[14] No caso da pré-qualificação subjetiva, os requisitos para a habilitação não podem destoar daqueles catalogados a Lei nº 8.666/93, especialmente aqueles listados no art. 30.

 

[15] Consideramos possível que a pré-qualificação objetiva possa ser utilizada nas hipóteses de

contratos de obras ou serviços que envolvam o fornecimento de bens.

 

[16] Lei nº 12.462/11, Art. 30, § 2º: “A administração pública poderá realizar licitação restrita aos pré-qualificados, nas condições estabelecidas em regulamento.”

 

[17] Lei nº 12.462/11, art. 30, § 2º, o qual remete ao regulamento. No âmbito federal, o dispositivo foi complementado pelo art. 86, do Decreto nº 7.581/11.

 

[18] O TCU (Acórdão nº 4.410/2010, 2ª Câmara) já decidiu que os quantitativos máximos deveriam ser indicados.

 

[19] Aqui poderia aplicar a mesma interpretação dada aos concursos públicos, ou seja, não se gera, com pré-qualificação, um direito subjetivo à contratação, tendo em vista que este instituto não é um pré-contrato, até porque o próprio dispositivo trata como mera “expectativa”.

 

[20] As estimativas previstas no edital de pré-qualificação são indicativas, ou seja, não vinculam o Poder Público. Tais montantes também constam no sistema de registro de preços e nunca geraram direitos subjetivos, o que demonstra que não geram direitos adquiridos.  Aliás, a doutrina admite que a Administração Pública possa contratar em valores superiores àqueles estimados, desde que, para tanto, motive sua decisão de forma clara, suficiente e razoável.

 

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