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O sistema de registro de preços no Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462/11)

 

Publicado em: Revista da AGU, v. 144, p. 1-18, 2014.

 

Juliano Heinen 

 

RESUMO
O presente trabalho aborda, por meio de uma análise crítica, os principais aspectos no que se refere ao procedimento auxiliar do Registro de Preços do Regime Diferenciado de Licitações, modalidade de seleção pública, pela qual a Administração Pública registra em ata as propostas de preços para aquisições futuras e periódicas. Contudo, esta sistemática foi redimensionada a partir da edição da Lei nº 12.462/11. Para tanto, a pesquisa desenvolvida traz à tona possíveis soluções às incongruências compreendidas frente aos textos legais que tratam da matéria. Conclui-se, por fim, o estudo sobre o mencionado procedimento auxiliar ainda é prematura, a ainda revelar, portanto, intensos debates.
ABSTRACT
This paper discusses, through a critical analysis of the main aspects regarding the auxiliary procedure registry pricing, inclued in Rule off Differential Treatment of Contracts, public screening modality by which the Public records minutes at the proposed prices for future acquisitions and periodicals. However, this system was resized from the enactment of Rule n. 12.462/11. Therefore, the study conducted brings out possible solutions to the inconsistencies understood against legal texts dealing with the matter. It is concluded finally, the study of the mentioned auxiliary procedure is premature, the still prove therefore intense debate.
PALAVRAS-CHAVE
Licitação; Regime Diferenciado de Contratações; sistema de registro de preços.
KEYWORDS
Public selection; Regime Differentiated Contracts; registration system prices.
SUMÁRIO
Introdução; 1 Natureza jurídica da Lei nº 12.462/11; 2 Premissas constitucionais sobre o tema; 3 Procedimentos auxiliares no RDC 4 Sistema de Registro de Preços; 4.1 Objeto; 4.2 Atores do regime de preços; 4.3 A natureza jurídica e os efeitos da ata oriunda do Sistema de Registro de Preços; 4.4 Etapas do registro de preços; 4.5 Critérios de julgamento; 4.6 Da revisão e da revogação (cancelamento) dos preços registrados; 4.7 Adesão; Conclusão.

Introdução
Foram os eventos esportivos importantes que o Brasil vai sediar que começaram a lançar questionamentos sobre a vetusta e atual Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 8.666/93), especialmente por esta não dar cabo de lançar soluções a contento aos problemas atuais. Sua defasagem é considerada notória. Dessa forma, como dito, esta responsabilidade de sediar eventos de repercussão mundial fez com que se percebesse ser imprescindível a modificação do regime licitatório tradicional, apresentando-se outro modelo, que foca em resolver a complexidade das contratações necessárias a partir do momento em que o Brasil passa a ser sede destes acontecimentos esportivos.
Assim, a princípio, ter-se-ia um modelo licitatório transitório. Contudo, tanto o legislador, como a própria doutrina apostam que este procedimento será o novo arranjo jurídico que tomará o papel protagonista no que se refere ao regime das licitações e dos contratos administrativos. Até porque, como será percebido adiante, não só já se produziram mudanças ao modelo geral, como o regime diferenciado foi estendido perenemente a outros setores nodais à Administração Pública (v.g. saúde e educação).
Antes do advento do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), surgiram outras tentativas de implementar um novo regime jurídico, como a Medida Provisória (MP) nº 489/10, que não foi apreciada no tempo devido, o que fez com que ela perdesse seu objeto; após, foi editada a MP nº 503/10, a qual sofreu uma série de emendas, sendo, por fim, este ato normativo rejeitado por inteiro; além disso, a MP 521/10, que também tratava da matéria, teve o mesmo destino.
Quando da edição e apreciação da MP nº 527/10, que tratava sobre a estrutura e o regime jurídico dos aeroportos, foi apresentada uma emenda que acabou levando a efeito e vigência o modelo atual do RDC. Então, esta Medida Provisória acabou sendo convertida na Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, a qual disciplina o procedimento licitatório denominado de “Regime Diferenciado de Contratações” ou “RDC” .
Cabe destacar que justamente é esta uma das críticas feitas ao regime, porque foi apresentado e gestado em um contexto completamente diverso, ou seja, como se fosse um rescaldo de uma legislação que, definitivamente, não tratava de licitações e de contratos administrativos . Era como se este novo modelo licitatório tivesse sido “encaixado” em outra legislação não afeta diretamente ao tema.
Contudo, muito do que se questiona no que se refere ao RDC é fruto de um rompimento de paradigma, o que naturalmente causa certa contingência. É trivial que todo câmbio normativo cause um atrito à harmonia jurídico-normativa estabelecida. Ao longo da exposição, será percebido que o RDC não necessariamente trouxe novidades bastantes a se perfazer tamanha celeuma em relação a ele, dado que ele se aproxima, em larga medida, com o procedimento do pregão (Lei nº 10.520/02). Há, aqui, uma conjunção de boas técnicas constantes nos outros modelos licitatórios, agregando-se, no texto legal, outras soluções já apontadas pela doutrina e pela jurisprudência, principalmente do Tribunal de Contas da União (TCU). Dessa maneira, o RDC tem por escopo, em essência, romper com o anacrônico modelo licitatório atual, viabilizando boas práticas que intentam conseguir dar maior celeridade aos procedimentos licitatórios, combater eventuais fraudes nesta seara, permitir a eficiência na viabilização das obras e nos serviços públicos tão necessários à Nação etc. 
Assim, o RDC é uma tentativa de perfazer um câmbio na conjuntura que se processa atualmente. Há a necessidade de que se perceba que estas “inovações” trazidas por este prematuro regime muito refletem práticas já desenvolvidas por organismos estatais, por pessoas jurídicas de direito privado da Administração Pública indireta ou por organismos internacionais. E assim, o RDC passa a positivar as práticas consideradas já popularizadas no limiar da própria Nação brasileira.
Deve ser salientado que, nem bem a MP nº 527/11, convertida na Lei nº 12.462/11, entrou em vigor, já é objeto de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI), tombada sob o nº 4.655, a qual foi promovida pela Procuradoria-Geral da República. A primeira alegação é de natureza formal, já que a referida medida provisória acabou por converter, em lei, tema estranho à proposta original, conforme salientado logo antes. Além disso, outros vícios de ordem material são ventilados, como a inconsistência do art. 1º, em não especificar quais as obras e serviços seriam disciplinados pelo RDC ; alega-se, ainda, a violação do princípio da igualdade por mecanismos como a adoção prioritária da empreitada integral em certos objetos, o sistema de pré-qualificação etc.
Da mesma maneira, a Lei nº 12.462/11 ainda é questionada pela ADI nº 4.645, proposta pelo Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB, pelo Democratas – DEM e pelo Partido Popular Socialista - PPS (art. 103, inciso VIII, da CF/88). Alegam, entre outros fundamentos, justamente o abuso no poder de emendar as medidas provisórias, dado que, no presente caso, o objeto original do mencionado ato normativo foi completamente modificado .
O que é certo é a convicção de que o modelo atual não está a contento. E, a partir desta verdade é que se deve passar a visualizar o RDC como uma nova modalidade que visa a trazer inéditas soluções à área de licitações e de contratos. E estas incursões inserem-se em um modelo gerencial de Administração. Temos a certeza de que ainda há muito que se debater sobre o tema, e, para tanto, deve-se dar os devidos passos neste sentido.
Para os limites deste trabalho, optar-se-á por estudar apenas um dos procedimentos auxiliares do RDC, qual seja, o Sistema de Registro de Preços (SRP). Porque incluído neste tema, far-se-á uma análise também dos meandros do instituto da adesão, também denominada de “carona”.
1 Natureza jurídica da Lei nº 12.462/11
A Lei nº 12.461/11 não foi clara em estabelecer a natureza jurídica das regras do RDC. Não há dúvidas que foi estabelecida uma nova modalidade licitatória , na linha do que já dispunha a Lei nº 8.666/93 – e suas várias espécies de procedimentos licitatórios (concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão e registro de preços) e a Lei nº 10.520/02 (que trata do rito de pregão). A questão é definir quais os artigos tratariam de normas gerais e quais deles seriam afetos somente ao ente federado União. Enfim, quais normas seriam de caráter nacional, e quais delas teriam a natureza de normas federais.
Cabe referir, por oportuno, que o uso do RDC é opcional, ou seja, lastreado na oportunidade e conveniência do administrador público. Convive, assim, em paralelo com a atual Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93).
2 Premissas constitucionais sobre o tema
A primeira premissa que deve ser trazida à tona reflete a certeza de que o RDC deve estar compatível com os parâmetros estabelecidos no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal de 1988  (CF/88). Assim, p. ex., este modelo licitatório deve ser pautado a partir dos seguintes parâmetros: imperioso ter presente a igualdade de condições a todos os concorrentes, incluindo-se cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento. Além disso, devem ser mantidas as condições efetivas da proposta, bem como somente permitirá as exigências de qualificação técnicas e econômicas indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Veja que deverá ser reputada inconstitucional qualquer exigência no RDC que rompa com a igualdade entre os concorrentes, ou mesmo que exija uma qualificação técnica não pertinente ao objeto licitado.
Da mesma forma, o art. 22, inciso XXVII , do texto constitucional, determina que compete privativamente à União legislar sobre normas gerais sobre licitações. Sendo assim, o RDC é típica regra geral de licitação – sendo esta típica “lei quadro” –, tendo natureza de lei nacional, ou seja, vale, de maneira uniforme, a todos os entes federados, até porque atinge interesses de todos eles, sendo que seu objeto transborda de uma perspectiva particularizada. Nada impede que os Estados, Municípios e Distrito Federal editem regras específicas sobre o regime diferenciado, respeitando, por óbvio, as normas de caráter geral.
Importante perceber, nesse aspecto, se o Decreto federal nº 7.581/12, que regulamenta a Lei nº 12.462/11 no âmbito da União, pode ser estendido aos Estados federados. Para isso devemos partir das premissas estruturais dos arts. 22 a 24, da Constituição Federal de 1988, que dão a base orgânica à federação brasileira. A partir disso, evidenciou-se quem faz o quê. Tomando por base de um elemento-chave inserido na estrutura federativa, a regulamentação impositiva e infralegal pelo Presidente da República aos demais entes federados seria impensável em matérias legislativas em que sua competência não é plena ou privativa, mesmo diante de um modelo federativo brasileiro, vamos dizer, “híbrido”.
Mas, avançando, a partir disso temos de que evidenciar os limites normativos do art. 84, inciso IV, CF/88 – poder deste Chefe da Nação em fazer cumprir as leis. Assim, conclui-se preliminarmente que:
(a)    assume-se que a Lei nº 12.462 é regra que estabelece normas gerais e, portanto, Estados, DF e Municípios estão vinculadas a ela; estes só podem editar, no seu âmbito, a legislação de normas especiais que se baseia na lei geral; contudo, conserva-se, aqui, a devida autonomia federativa;
(b)    Nesse sentido, o Decreto federal nº 7.581/12 só tem validade no âmbito da União, não tendo natureza nacional; desse modo, cada Poder Executivo dos demais entes federados deveria ou poderia editar o seu decreto;
Ademais, por estes e outros fundamentos, também se considera impossível a compreensão de que os Estados, DF e Municípios possam aplicar o Decreto federal por analogia, salvo previsão expressa em lei local, nas matérias em que este trata de temas específicos à lei local.
3 Procedimentos auxiliares no RDC
    Os procedimentos auxiliares são ferramentas que visam a prestar uma assistência ao administrador público que quer adquirir produtos ou serviços pelo regime diferenciado instituído pela Lei nº 12.462/11. Apesar disso, tais procedimentos conservam a sua autonomia em relação ao rito principal do RDC. São ferramentas que serão criadas para auxiliar vários procedimentos licitatórios realizados sob esta modalidade.
    O RDC, no art. 29, discriminou quais são os procedimentos auxiliares das licitações regidas pelo disposto nesta Lei:
(a)    pré-qualificação permanente – art. 30;
(b)    cadastramento – art. 31;
(c)    sistema de registro de preços – art. 32; e
(d)    catálogo eletrônico de padronização – art. 33.
4 Sistema de Registro de Preços

O sistema de registro de preços, em igual medida do que se viu no que se refere a outros procedimentos auxiliares, já não é nenhuma novidade, até porque, há muito, previsto expressamente no art. 15, §§ 1º a 8º, da Lei nº 8.666/93. A lei geral adota esta ferramenta para aquisições, a fim de viabilizar um procedimento mais célere aos entes estatais, no intuito de estes obterem produtos de que se necessita corriqueiramente. Embora autoaplicável, o referido dispositivo pode sofrer limitações por regulamento estadual ou municipal, como previsto no § 3º do mencionado art. 15. E esta normatização infralegal, no âmbito da União, tem assento no Decreto federal nº 7.892/13 .

Contudo, a legislação do RDC (falo, aqui, tanto da Lei nº 12.482/11, como do Decreto nº 7.581/11) deu cabo de cumprir com uma agenda ainda a ser preenchida: a regulamentação mais completa e minuciosa desta modalidade licitatória. Esta medida tributou uma adaptação do registro de preços à realidade atual, no intuito de superar eventuais inconvenientes surgidos a partir da legislação de outrora.

Enfim, pode-se dizer que o sistema de registro de preços é a modalidade de licitação apta a viabilizar diversas contratações concomitantes ou sucessivas, sem a realização de um específico procedimento licitatório para cada uma delas. Este sistema pode servir a um ou a mais órgãos da Administração Pública. Normalmente é empregado para o caso de compras corriqueiras de determinados bens ou serviços, quando não é conhecida a quantidade que será necessária adquirir. Ou, ainda, quando estas compras tiverem a previsão de entregas parceladas. Visa, com isto, a agilizar as contratações e a evitar a formação de estoques, os quais geram um custo de manutenção muito grande, sem contar no risco de que tais bens possam vir a perecer ou a se deteriorar. 

O Decreto federal nº 7.581/11 definiu o Sistema de Registro de Preços (SRP) no art. 88, inciso I, com redação dada pelo Decreto federal 8.080/13: “Sistema de Registro de Preços - SRP - conjunto de procedimentos para registro formal de preços para contratações futuras, relativos à prestação de serviços, inclusive de engenharia, de aquisição de bens e de execução de obras com características padronizadas.”. 

Em verdade, a parte final do dispositivo veio a incorporar o entendimento do TCU na matéria, qual seja, de que é possível contratar a execução de obras, desde que elas adotem uma metodologia comum, ou seja, padronizada. Antes, discutia-se muito se este tipo de contratação seria viável por esta modalidade de licitação, tendo em vista que uma obra, no mais das vezes, possui peculiaridades casuísticas e uma complexidade bastante a inviabilizar um padrão. Contudo, na prática, percebeu-se que, em certas situações, as obras podem receber uma padronização que franqueie a contratação pelo registro de preços.

De outro lado, consegue-se, além destas vantagens, propiciar a transparência quanto aos bens e serviços que são frequentemente contratados, uma vez que qualquer sujeito tem legitimidade para impugnar preço constante na tabela geral, quando distorcidos ou incompatíveis com o mercado (art. 15, § 6º).

Com essa modalidade de licitação quer-se evitar problemas como o desabastecimento de produtos de que se necessita corriqueiramente, ou a perda de produtos perecíveis quando não utilizados. Afinal, consegue-se, com o registro de preços, uma aquisição corriqueira ou em momentos específicos, evitando-se a burocracia de um procedimento licitatório complexo. Enfim, visa a regularizar situações em que não se tem a condição de se ter aquisições uniformes.

Essa concepção impõe que a Administração Pública fique dispensada de mencionar, no instrumento convocatório, o montante mínimo a ser adquirido. Contudo, há necessidade de estipulação do quantitativo máximo a ser contratado, até para se auferir, já de início, o quanto os fornecedores poderão ser demandados, bem como os limites à figura da adesão, a seguir estudada. Segundo decidiu o TCU, no caso de eventual prorrogação da ata de registro de preços, dentro do prazo de vigência não superior a um ano, não se restabelecem os quantitativos inicialmente fixados na licitação, sob pena de se infringirem os princípios que regem o procedimento licitatório, indicados no art. 3º da Lei nº 8.666/93 .

É um sistema muito profícuo para a aquisição de produtos ou para a prestação de serviços aos entes estatais. Tanto que o art. 15, inciso II, da Lei nº 8.666/93, preceitua que as compras feitas pelo Poder Público, na medida do possível, devem ser adquiridas por este sistema. Com ele consegue-se um ganho muito importante: a potencial participação de empresas menores, uma vez que o fornecimento é parcelado ao longo do prazo de validade da ata de registro de preços.

Quando mais de uma unidade administrativa pretende adquirir os mesmos produtos ou serviços, pode se utilizar do mesmo procedimento de registro de preços, sendo desnecessário que cada órgão ou ente repita o certame. Neste caso, encarrega-se um determinado órgão ou ente de conduzir a licitação, gerir o sistema, formar o cadastro, etc., sendo denominado de “órgão gerenciador”.

Assim, o legislador percebe que o registro de preços poderia bem ser aplicado ao RDC, momento em que o insere a partir das premissas alocadas no art. 32 , podendo ser utilizado para várias espécies contratações. Uma diferença candente entre o sistema de registro de preços inserido na lei geral de licitações (art. 15, § 3º, inciso I, da Lei nº 8.666/93), para com aquele previsto pelo RDC (art. 32, § 2º, inciso II, da Lei nº 12.462/11) é a seguinte: enquanto que o primeiro adota, inexoravelmente, a modalidade de concorrência para a formação do registro, no regime diferenciado este certame é feito de acordo com os procedimentos previstos em regulamento.

4.1 Objeto

No RDC, o registro de preços está previsto no art. 32, sendo mais bem detalhado nos art.s 87 e ss., do Decreto federal nº 7.581/11. Para se ter uma ideia de quais seriam os objetos desta espécie de procedimento, o art. 89 do referido decreto traz uma lista .

Contudo, é de se referir que o registro de preços, com o tempo, passou a ser considerado como um mecanismo muito eficiente a inúmeros tipos de contratações, porque é notadamente mais ágil, reduzindo significativamente a necessidade de se realizar um certame para cada objeto idêntico de que se necessitar. Hoje se discute se este sistema poderia ser estendido a serviços e a obras, aplicando-o, assim, a outras situações.

Um exemplo interessante de aplicação do SRP pode aclarar este panorama: a Administração Pública não tem como prever, de antemão, quantos medicamentos de determinada espécie ficará obrigada a fornecer, ou mesmo terá dificuldade de armazenar todo este plantel de fármacos. Com o registro de preços, ela vai adquirindo aos poucos a quantidade de remédios, de acordo com a demanda da população. Em certos meses pode necessitar de uma quantia diversa de outros períodos. O importante é que indique ao mercado uma estimativa de custos, ou seja, quanto pretende gastar em face a determinada quantidade de produtos, a fim de parametrizar a licitação por esta modalidade aqui comentada.

Além disso, a Administração Pública utiliza o registro de preços não só para produtos de que necessita periodicamente, mas também para quando está diante de vários entes estatais interessados em contratar o mesmo objeto. Neste caso, o mesmo produto pode ser objeto de contratação por alguns órgãos ou entes públicos, momento em que se racionaliza o procedimento, permitindo, é certo, que se franqueiem estas várias pretensões contratuais em um único certame. Exemplificando: imagine que vários órgãos (que podem ser, inclusive, pertencerem a entes federados diversos) pretendam adquirir determinado mobiliário. Sendo assim, estabelece-se a quantidade que cada um quer contratar e se faz, em conjunto, um único certame pela modalidade de registro de preços. Visualizam-se, aqui, duas vantagens: racionalizam-se recursos, porque se faz um único certame, em vez de vários, bem como se tem a potencialidade de se conseguir preços melhores ao objeto licitado, porque a quantidade a ser adquirida é maior.

Então, o objeto do registro de preços não se destina a selecionar um fornecedor para uma contratação específica, como ocorre com os certames comuns (gerais). Ao contrário, visa a dar cabo de escolher a melhor proposta para eventuais contratações sequenciais, escalonadas e não específicas, ou seja, que podem ocorrer repetidas vezes durante o prazo do registro.

Em resumo, o registro de preços se presta a firmar os seguintes negócios jurídicos administrativos :
(a)    quando o objeto tiver se ser entregue de maneira parcelada;

(b)    quando a contratação de produtos forem remunerados por unidade ou os serviços forem remunerados por tarefa;

(c)    quando se tiver a necessidade de contratações frequentes;

(d)    quando o objeto a ser contratado for de interesse de mais de um órgão ou se prestar a satisfazer um programa de governo;

(e)    quando não se consegue definir a quantidade a ser adquirida no momento de se perfazer o certame licitatório ;

Na hipótese de contratações freq    uentes, consegue-se perceber um ganho em celeridade no que se refere à economia de procedimentos licitatórios. Por consequência e igualmente, intenta-se evitar que se gastem recursos públicos com a realização do próprio procedimento. Contudo, quando se esta diante de objetos com entrega parcelada (em etapas), a economia não necessariamente é percebida com mais intensidade, porque, pragmaticamente, o registro de preços não se diferencia da contratação comum, cuja entrega do objeto seria feita desta mesma maneira .

Especificamente quanto àquilo que pode ser adquirido, o SRP de preços, ao menos em termos de RDC, permite que se contrate a “[...] prestação de serviços, inclusive de engenharia, e aquisição de bens, para contratações futuras;” – art. 88, inciso I, do Decreto federal nº 7.581/11. Destaque a ser feito no que se refere aos serviços de engenharia, sendo inseridos como uma possibilidade de aquisição por esta modalidade de certame. Destacamos que a legislação foi alterada para que se permitisse que se fizesse registro de preços para obras de engenharia – parte final do inciso I do art. 88.

Ademais, importante mencionar que o sistema em questão, quando normatizado pelas regras do RDC, difere da Lei nº 8.666/93, porque, neste último caso, somente se permitiu o registro de serviços de natureza comum . O novo regime de contratações veio a corrigir este equívoco, permitindo, ao nosso ver, a contratação de serviços comuns ou não, porque, justamente, este dado não é relevante à espécie.

Uma disposição interessante consta no art. 93, § 2º, do Decreto federal nº 7.581/11, o qual determina que será evitada a adoção da contratação simultânea disciplinada no art. 11, da Lei nº 12.462/11, ou seja, a contratação de mais de uma empresa para a execução do mesmo serviço em uma mesma localidade no âmbito do mesmo órgão ou entidade. Esta providência visa, assim, a assegurar a responsabilidade contratual e o princípio da padronização.

No caso de contratação de obras, o Decreto federal 8.080/13 preocupou-se em fornecer requisitos para ofertar a devida segurança jurídica à espécie. Para tanto, inseriu várias condições no parágrafo único no art. 89, do Decreto federal 7.581/11, dizendo que a contratação deste objeto somente pode ser feito por esta modalidade de licitação se:
(a)    for conveniente para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou  

(b)    pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela administração pública.

Ainda, diz o dispositivo que as licitações deverão ser realizadas pelo “Governo federal” para que se possam contratar obras pelo Sistema de Registro de Preços. Aqui, o legislador não se pautou pela melhor técnica, pois se afastou dos denominativos típicos da ciência do direito administrativo. O correto seria alocar, no local do termo “Governo federal”, a expressão “Administração Pública direta”, “Administração Pública central” etc. 

Também, exige-se que as obras tenham projeto de referência padronizado, básico ou executivo,  sem esquecer as peculiaridades que se encontram nas regiões. Significa dizer que as obras construídas na Amazônia, no Nordeste ou no Sul do País, p. ex., possuem e devem ter características diversas, dado que as condições climáticas, atmosféricas e geológicas reclamam adaptações próprias. Assim, o padrão exigido pelo artigo deve ser regionalizado.

Por fim, no caso de se ter a figura “carona”, exige-se que haja compromisso do aderente em suportar as despesas das ações necessárias à adequação do projeto padrão às peculiaridades da execução.

4.2 Atores do regime de preços

Segundo a interpretação autêntica feita pelo art. 2º, do Decreto federal nº 7.982/2013, três personagens podem circundar no limiar do Sistema de Registro de Preços:
(a)    Órgão Gerenciador: órgão ou entidade da Administração Pública federal responsável pela condução do conjunto de procedimentos para registro de preços e gerenciamento da ata dele decorrente  – suas competências estão definidas no art. 95, do Decreto federal nº 7.581/11, e no art. 5º, do Decreto federal nº 7.892/13;

(b)    Órgão participante: órgão ou entidade da administração pública federal que participa dos procedimentos iniciais do Sistema de Registro de Preços e integra a ata respectiva  – suas competências estão definidas no art. 96, do Decreto federal nº 7.581/11, e no art. 6º, do Decreto federal nº 7.892/2013. A manifestação do órgão que quer aderir ao registro se dá pelo ato administrativo de Intenção de Registro de Preços; e

(c)    Órgão aderente (ou denominado de “não participante” pelo Decreto federal nº 7.892/13): órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, faz adesão à ata de registro de preços, desde que atendidos os requisitos dos atos normativos pertinentes .

4.3 A natureza jurídica e os efeitos da ata oriunda do Sistema de Registro de Preços

Como “produto”, por assim dizer, do registro de preços, gera-se uma ata, que nada mais é do que um documento vinculativo, tanto para a Administração Pública, quanto para os particulares. Mas em que termos? A legislação estipula que o Poder Público deva respeitar a ordem de classificação e os termos estabelecidos no procedimento licitatório. E o fornecedor que tem o preço registrado obriga-se a entregar aquilo que se propôs à Administração Pública, durante o prazo estabelecido que, no máximo, pode ser de doze meses.

Assim, a validade da ata do registro de preços não será superior a doze meses, incluídas eventuais prorrogações, conforme dispõe o inciso III do § 3º do art. 15 da Lei nº 8.666/93 . Importante notar que o Decreto federal nº 7.581/12, que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações, no art. 99, parágrafo único, determina que a ata tenha um prazo de validade mínima de três meses, o que não se percebe nas regras licitatórias gerais. Veja que esta medida é salutar, porque se impede que se implementem certames com validade exígua, prejudicando a competitividade. 

Como produto do registro de preços, obtém-se um cadastro de potenciais fornecedores, o qual listará, de maneira clara e particular, o objeto a ser contratado, as quantidades que cada fornecedor têm possibilidade de entregar quando solicitado, de acordo com o que foi definido no instrumento convocatório, e, por fim, deve a ata deixar especificado o preço de cada objeto. Todas estas informações constarão em um documento importantíssimo: a ata do registro de preços. Em resumo: na ata constará, dentre outros itens, os preços e quantitativos do licitante mais bem classificado durante a etapa competitiva, bem como os preços e quantitativos dos licitantes que tiverem aceito cotar seus bens ou serviços em valor igual ao do licitante mais bem classificado.

Então, ao final, esse documento formará uma lista de potenciais fornecedores. Possui como traço marcante a possibilidade de gerar compromisso para futuras contratações, de acordo com as especificações ali mencionadas. Como dito, durante o prazo máximo um ano , o Poder Público tem a faculdade (facultas agiendi) de solicitar os préstimos dos fornecedores registrados na ordem de classificação .

Após homologada, qualquer outra entidade pública poderá consultá-la e utilizá-la mediante prévia sondagem do órgão gerenciador daquele sistema de registro de preços, desde que devidamente comprovada a vantagem neste sentido (art. 8º, do Decreto federal nº 7.892/2013). Trata-se, aqui, da figura da “adesão” ou também chamada de “carona”, a ser analisada na sequência da exposição . 

Para o fim de dar atualizar a ata para com os preços praticados no mercado, a autoridade que gerencia o sistema deverá verificar a compatibilidade do registro para com a realidade . Constatado que o preço registrado é superior ao valor de mercado, ficarão vedadas novas contratações até a adoção das providências cabíveis, que consistem em :
(a)    convocar os fornecedores para negociarem a redução dos preços aos valores praticados pelo mercado;

(b)    os fornecedores que não aceitarem reduzir seus preços aos valores praticados pelo mercado serão liberados do compromisso assumido, sem aplicação de penalidade;

(c)    para os fornecedores que aceitarem reduzir seus preços aos valores de mercado, o registro de preços continua hígido, observando-se, para tanto, a classificação original. 

A ata de registro de preços não se confunde com os contratos administrativos celebrados com base nela. Logo, o próprio prazo do contrato poderá ser superior a doze meses, ou seja, não se baliza por este documento. Em resumo, os prazos de vigência dos contratos regem-se pelos termos do art. 57, da Lei nº 8.666/93, por exemplo . Aliás, dela podem se gerar vários contratos, que são, como dito, documentos com regime jurídico diverso.

É importante notar que o RDC não obriga a Administração Pública a contratar com o fornecedor cadastrado na referida ata, ou seja, não se defere um direito subjetivo ao interessado mais bem classificado no certame de registro de preços em ser acionado a sempre fornecer o produto a que se obrigou. O que a lei defere é um direito subjetivo à preferência na aquisição, o que é bem diverso (art. 32, § 3º, da Lei nº 12.462/11, art. 101, do Decreto federal nº 7.581/11 e art. 16, do Decreto federal nº 7.892/13). Assim, a ata do registro é um documento vinculativo e obrigacional no que se refere à preferência mencionada.

Explico. O Poder Publico pode bem resolver realizar uma licitação específica no que se refere aos objetos já selecionados pelo registro de preços, desde que, no caso, assegure ao licitante vencedor deste último certame, direito de preferência no fornecimento (art. 15, § 4º, da Lei nº 8.666/93). Neste caso, o interessado não é obrigado a entregar o produto por condições diversas a que se obrigou.

O que se defere ao fornecedor que integre a ata é a preferência de fornecimento, em igualdade de condições. Em outros termos, caso um ente público realize um certame específico e consiga o bem por um preço inferior, mesmo assim deve ser dada preferência para que o interessado que registrou seu preço possa cobrir a oferta, ou seja, deve ser dada premência a ele (art. 7º, do Decreto federal nº 7.892/2013).

Por fim, pode-se mencionar que os contratos deverão ser assinados no prazo de validade da ata de registro de preços (art. 12, § 4º, do Decreto federal nº 7.892/13). Sendo assim, não basta que a adjudicação, p. ex., se dê neste interregno. O que precisa ser efetivado é assinatura do negócio jurídico.

4.4 Etapas do registro de preços

Operacionalmente, o registro de preços pode ser resumido em três fases distintas:
(a)    por primeiro, estabelece uma competição entre os interessados a contratarem com o Poder Público. Cada qual oferta seus lances, gerando o registro do licitante vencedor, com seus quantitativos e preços ofertados;

(b)    em um segundo momento, passa-se a colher o registro dos demais interessados que anuem em praticar os mesmos quantitativos e preços do primeiro colocado, mantendo-se a ordem de classificação obtida na etapa inicial . Logo, os demais licitantes podem reduzir seus preços para igualá-los ao primeiro colocado. Todavia, as novas ofertas não prejudicarão o resultado do certame em relação ao licitante mais bem classificado;

(c)    após e por fim, registram-se os preços e os quantitativos daqueles que não praticam os valores do primeiro colocado, na ordem de classificação ordenada pelos lances respectivos.

Importante notar que o instrumento convocatório do registro de preços não necessariamente terá de indicar a dotação orçamentária correspondente – como ocorre com o regime geral de licitações e contratos. Ao contrário. A menção a este dado surgirá quando da realização da efetiva contratação, porque, antes – mesmo quando da formação da ata de registro de preços –, o ente estatal não se obriga a adquirir o objeto licitado . Em resumo, como o registro de preços não cria obrigações imediatas ao Poder Público, o certame pode iniciar independentemente de se ter dotação orçamentária .

Aliás, a Corte de Contas federal declarou como irrazoável a consecução de registro de preços para posterior contratação dos valores constantes exatamente na ata, ou seja, para celebração de contrato com objeto absolutamente idêntico a este documento que lhe deu origem. Assim, o tribunal entendeu que o referido objeto deveria ter sido contratado por outra modalidade licitatória .

Deve-se destacar que contrato decorrente do Sistema de Registro de Preços não poderá sofrer qualquer acréscimo no seu quantitativo. Logo, não se lhe aplicam as disposições do art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que permitem acréscimos na ordem de vinte e cinco e de cinquenta por cento.

Contudo, importante notar que o art. 99, “caput”, do Decreto nº 7.581/11 dispõe que os licitantes ficam obrigados ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços nas condições a que se obrigaram, durante o prazo de validade da ata. Neste ínterim, a Administração Pública poderá realizar quantas aquisições necessite. Aqui um ponto merece destaque: as limitações quantitativas do art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/93, não são aplicadas à espécie. Será o instrumento convocatório que dará os contornos de quanto se pode ou se quer adquirir. Assim, as balizas quantitativas serão dispostas no instrumento convocatório.

Além disso, dispõe o art. 32, § 2º, inciso II, da Lei nº 12.462/11, combinado com o art. 90, incisos I e II, do Decreto federal nº 7.581/11, que o registro de preços será efetivado por qualquer dos modos de disputa previstos neste último ato normativo, sejam eles combinados ou não. O julgamento da melhor proposta, ao seu turno, utilizará o critério de menor preço ou de maior desconto.

Já o sistema geral de licitações determinava que a seleção seria feita mediante concorrência – art. 15, § 3º, inciso I, da Lei nº 8.666/93. Esta assertiva foi flexibilizada pelo art. 11, da Lei nº 10.520/2002  e recepcionada pelo Decreto federal nº 7.892/13 (art. 7º, “caput”), os quais permitiram a figura do pregão para a viabilização do registro de preços. Esta conjuntura prova, assim, que o RDC foi mais flexível do que a lei geral no que se refere às modalidades licitatórias de seleção do registro.

O registro de preços pode ter a participação de mais de um órgão ou ente. Logo, o certame é feito desde já com a presença de mais um interessado em poder contratar a partir da ata de preços a ser constituída. Assim, quando outros órgãos ou entes quiserem participar do procedimento de registro de preços, deverão manifestar sua intenção ao órgão gerenciador, no prazo por ele estipulado (art. 92, § 1º, do Decreto federal nº 7.58/11), bem como concordar com o registro de preços, indicando sua estimativa de demanda e o cronograma de aquisições (§ 2º do art. 92 do mesmo ato normativo infralegal). Esta proposição feita por outro(s) órgão(s) públicos deverá ser considerada no montante a ser licitado, ou seja, na estimativa de demanda do registro – art. 95, § 2º.

Um cuidado importante neste aspecto foi tomado pelo Decreto federal nº 7.581/11, no art. 106, parágrafo único, qual seja: “os órgãos ou entidades da administração pública federal não poderão participar ou aderir à ata de registro de preços cujo órgão gerenciador integre a administração pública de Estado, do Distrito Federal ou de Município, ressalvada a faculdade de a APO [Autoridade Pública Olímpica] aderir às atas gerenciadas pelos respectivos consorciados.” Ao reverso, não se vislumbram quaisquer óbices para que as entidades públicas dos demais entes federados participem no registro de preços federal.

4.5 Critérios de julgamento

O Decreto federal nº 7.892-2013, no art. 7º, “caput”, exige utilização do tipo “menor preço” e, excepcionalmente “técnica e preço” (§ 1º), a critério do órgão gerenciador e mediante despacho fundamentado da sua autoridade máxima. Contudo, caso escolhida a modalidade de pregão, sempre deve se adotar o critério “menor preço”.

Caso seja adotado o critério de julgamento “técnica e preço”, ressalva-se que deverá ser evitada a contratação, em um mesmo órgão ou entidade, de mais de uma empresa para a execução de um mesmo serviço, em uma mesma localidade. Esta providência é salutar, pois visa a assegurar a responsabilidade contratual e o princípio da padronização (art. 8º, § 2º, do Decreto federal nº 7.892/2013).

O instrumento convocatório ainda poderá prever mais um critério de seleção da proposta mais vantajosa, dado que o menor preço poderá ser aferido pela oferta de desconto sobre tabela de preços praticados no mercado, desde que tecnicamente justificado – art. 9º, § 1º, do Decreto federal nº 7.892/2013.

4.6 Da revisão e da revogação (cancelamento) dos preços registrados

Os preços registrados poderão ser revogados (ou ditos “cancelados” pelo Decreto federal nº 7.892/13) ou revistos, quando ocorrerem várias situações. Para uma melhor compreensão das matérias, primeiramente se apresentará um quadro-resumo em que se sistematiza a matéria :
(a)    Revisão:
(a1) por redução nos preços (cuja previsão não está inserida no decreto que trata do RDC, somente no decreto que disciplina o regime geral do Sistema de Registro de Preços);

(a2) por aumento nos preços;

(b)    Revogação ou cancelamento:
(b1) por inadimplência do interessado que teve seu preço registrado, sendo estabelecido, em ambos os decretos, uma lista de casos que tipificam hipóteses que autorizam esta perspectiva;

    A segunda hipótese de revogação/cancelamento da ata passa por uma divergência entre as duas disciplinas jurídicas:

(b2.1) Decreto nº 7.892/13, art. 21: decorrente de caso fortuito ou de força maior, desde que:
(b2.1.1) por motivos de interesse público;

(b.2.1.2) por pedido do fornecedor.

(b2.2) Decreto nº 7.581/11, art. 107, § 1º, incisos I e II: A revogação do registro poderá ocorrer:
(b.2.2.1) por iniciativa da administração pública, conforme conveniência e oportunidade; ou

(b.2.2.2) por solicitação do fornecedor, com base em fato superveniente devidamente comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento da proposta. 

A revisão da tabela de registro de preços poderá ser feita por conta de eventual redução dos preços  praticados no mercado ou em decorrência de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados. Neste caso, o órgão gerenciador deverá negociar junto aos fornecedores as quantidades de redução ou de aumento. Veja que, diante desta conjuntura, a legislação pertinente não definiu os critérios objetivos e em que níveis podem se dar as tratativas, salvo que elas devem observar as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

Quando o órgão gerenciador convocar os fornecedores para negociarem a redução dos preços aos valores praticados pelo mercado, estes não estão obrigados a aceitar reduzir seus preços aos valores ali constantes. É uma faculdade conferida a eles. Neste caso, serão liberados do compromisso assumido, sem aplicação de penalidade. Contudo, para aqueles fornecedores que aceitem reduzir seus preços, a ordem de classificação original se mantém .

Diante de um preço de mercado que se torna superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, a legislação autoriza o órgão gerenciador a liberar o fornecedor da obrigação assumida. Nesta situação, a comunicação deste fato deve ocorrer antes do pedido de fornecimento, para que o interessado fique isento da aplicação da penalidade, isto se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados. A partir da, o referido órgão deve convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação.

Em qualquer caso, quando restam frustradas as negociações, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da ata de registro de preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.

4.7 Adesão

A adesão é um instituto muito peculiar e previsto no SRP, sendo apelidado de “carona”. Tem sua definição capitaneada pelo § 1º do art. 32 da Lei nº 12.462/11: “Poderá aderir ao sistema referido no caput deste artigo qualquer órgão ou entidade responsável pela execução das atividades contempladas no art. 1º desta Lei”. 

Cabe referir, por oportuno, que esta figura jurídica já era prevista no Decreto nº 3.931/01, art. 8º, § 3º, e foi repetido pelo art. 22, do Decreto nº 7.892/13, e justamente muito se questionava a constitucionalidade do primeiro ato normativo, por justamente não possuir lastro na Lei nº 8.666/93. No caso, alegava-se que o decreto havia inovado a ordem jurídica, sendo considerado praeter legem. Este debate perdeu sentido com a alteração da lei geral de licitações, momento em que se fez previsão expressa acerca do SRP.

O instituto do “carona” pode ser considerado verdadeiro caso de dispensa de licitação, sendo esta sua natureza jurídica. Cabe referir que ele somente pode derivar de previsão legal expressa, ou seja, reclama reserva de legislação. Sendo assim, por esta ótica, a figura do “carona” seria ilegal e inconstitucional caso fosse somente tutelado por ato normativo infralegal.

Além disso, alegava-se que este instituto violava o art. 37, XXI, da CF/88, porque esta regra impunha a todo órgão público o dever de licitar. Contudo, este argumento não nos serve, justamente porque se adere a um procedimento em que se efetivou um certame público. O dever de licitar – que, inclusive, é relativizado em muitos aspectos – foi preservado. Essa discussão foi levada ao TCU, que se manifestou pela legalidade do procedimento .

Em termos singelos, a adesão permite que outro órgão público, que não participou do registro de preços, firme contratos com base em ata constituída por outros organismos estatais. Para tanto, a fim de se evitarem abusos, algumas premissas e condições foram previstas também no Decreto federal nº 7.892/13 – que vale para as licitações gerais do SRP, não para os registros que seguem o RDC, porque, neste último caso, temos a aplicação do Decreto federal nº 7.581/11. 
(a)    A adesão deve contar com a anuência do órgão gerenciador . Neste caso, segundo o art. 103, do Decreto nº 7.581/11, quando solicitado, o órgão gerenciador indicará os fornecedores que poderão ser contratados pelos órgãos ou entidades participantes ou aderentes, bem como os respectivos quantitativos e preços, conforme a ordem de classificação. Neste caso, o órgão gerenciador indicará o fornecedor registrado mais bem classificado e os demais licitantes que registraram seus preços em valor igual ao do licitante mais bem classificado;

(b)    Ainda, para se ter a aderência mencionada, deve-se contar com a anuência também do fornecedor beneficiário da ata de registro de preços (art. 102, § 4º, do Decreto federal nº 7.581/11), desde que não prejudique as obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, assumidas com o órgão gerenciador e órgãos participantes (§ 5º do mesmo ato normativo) ;

(c)    Por fim, a adesão deve se limitar aos quantitativos definidos nos regulamentos próprios .

No art. 22, “caput”, primeira parte, do Decreto federal nº 7.892/13, estipula-se um requisito a mais, não mencionado pelo regulamento federal que trata do RDC: deve ser justificada a vantagem da adesão à ata de registro de preços. 

Destaca-se que o terceiro requisito (item “c”) refere-se aos limites quantitativos da adesão, ou seja, até quanto o “carona” poderá aderir. Esta previsão veio à tona, porque, outrora, muitos abusos foram cometidos neste sentido, especialmente pelo fato de, em certas oportunidades, inclusive, terem sido superadas as quantidades fixadas pelo órgão gerenciador na ata de registro.

Assim, é certo que o limite “c” é o mais polêmico. Para se ter uma ideia, o TCU, ao seu turno, preocupa-se que a figura do “carona” se adapte aos quantitativos contratados, não podendo os entes públicos negociar em níveis superiores à ata homologada. 

Há muito a Corte de Contas federal determinava que os organismos estatais deveriam gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os negócios derivados dela não superassem o quantitativo máximo previsto no edital . Logo, esta decisão do citado tribunal já restringia a figura do aderente. Muito embora, após o julgamento dos embargos de declaração opostos pelo Ministério do Planejamento, o TCU tenha permitido a contratação por adesão sem os limitadores, ou seja, de maneira mais flexível, até o fim de 2012 .

O RDC preocupou-se com a possibilidade de se perpetrarem abusos a partir da figura da adesão. Dessa forma, no regulamento federal que detalha a Lei nº 12.462/11 previram-se limites específicos a respeito . No art. 102, §§ 2º e 3º, foram positivadas as seguintes limitações:
(a)    Os órgãos aderentes não poderão contratar quantidade superior à soma das estimativas de demanda dos órgãos gerenciador e participantes;

(b)    A quantidade global de bens ou de serviços que poderão ser contratados pelos órgãos aderentes e gerenciador, somadas, não poderá ser superior:
(b1) a cinco vezes a quantidade prevista para cada item e, 

(b2) no caso de obras, não poderá ser superior a três vezes . 

Veja que, no primeiro caso, veda-se que o “carona” estabeleça contratos cujas quantias sejam superiores à soma das estimativas feitas na ata de registro. Ao mesmo tempo, a soma de todas as adesões não poderá ser superior a cinco ou três vezes a quantidade estabelecida como limite máximo a cada item, dependendo do caso.

Exemplificando: imagine que quatro órgãos públicos unam-se para, em um procedimento, adquirir, cada um, duzentas e cinquenta mesas, em um total de mil. Neste caso, um eventual aderente somente poderia tomar por base esta ata de Registro de Preços para adquirir no máximo mil mesas, ou seja, o somatório do quantitativo de todos os licitantes – primeiro limite (letra “a”). Ademais, esta ata somente serve para abarcar a quantidade de “caronas” em até cinco mil cadeiras, ou seja, cinco vezes a soma do quantitativo máximo de cada item, que, no caso, era único (ex. mesas) – segundo limite (letra “b”). Essas balizas são importantes marcos à contenção de eventuais excessos, as quais não foram contempladas no regime geral de licitações disciplinado pela Lei nº 8.666/93 .

O § 5º do art. 22 do Decreto federal nº 7.892/13, que disciplina, em âmbito infralegal e em caráter geral, o SRP da União, dispõe ainda outra condição para que se possa aderir a uma ata de registro de preços: o órgão gerenciador somente poderá autorizar a figura do “carona” após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador. Significa dizer que a adesão fica suspensa até que ocorra a primeira compra pelo órgão gerenciador ou por um participante.

Outro dispositivo interessante trazido pelo Decreto federal 7.581/13 determina que, depois da autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até trinta dias, observado o prazo de vigência da ata (art. 103, § 4º). Logo, fixa-se aqui um prazo máximo para que o aderente ultime os negócios jurídicos para os quais pediu autorizaçãopor fim, ficando este ínterim restrito, é claro, ao limite de vigência da ata. Destaca-se que, no regime geral do Registro de Preços, este prazo passa para noventa dias (art. 22, § 6º).

Acompanhando o entendimento do TCU , o Decreto federal nº 7.892/13 pôs fim a um debate muito corriqueiro na matéria. Diz o art. 22, § 8º que “É vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual.”. E é compreensível esta medida, porque as compras em nível nacional possuem abrangência que destoa dos aspectos regionais e locais. Veja que, neste caso, a União não poderia se valer da ata de registro de um município, que contrata normalmente em menor escala e, neste caso, os preços possivelmente serão mais altos.

Contudo, a recíproca é permitida. Veja que o § 9º do art. 22 define que é facultado aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais a aderir à ata de registro de preços da Administração Pública Federal. 

Em nível de RDC, o Decreto federal nº 7.581/11 acompanhou esta mesma linha de raciocínio (art. 106, “caput” e parágrafo único). No entanto, a parte final do parágrafo faz uma ressalva, é facultada à APO aderir às atas gerenciadas pelos respectivos consorciados, independentemente de advirem de outras unidades da federação. 

Releva notar que esses atos normativos infralegais ampliaram ou restringiram o âmbito normativo dos dispositivos constantes em legislação de primeiro grau, seja aqueles constantes na lei geral, seja aqueles dispostos no RDC. Sendo assim, em tese, poderia se dizer que os decretos disciplinam matérias de maneira praeter legem, o que bem poderia ser alvo de questionamento.
 
Conclusão
Assim como tantas outras inovações produzidas nos últimos anos em direito administrativo, o Regime Diferenciado de Contratação necessita de um período de maturação. Apesar disso, sem sombra de dúvidas, ganha, hoje, um papel protagonista no cenário nacional. Aquele que seria um regime jurídico de contratações transitório e relegado a desaparecer juntamente com a entrega da última medalha dos Jogos Olímpicos de 2016, cresce e toma espaço nas relações mais triviais das contratações públicas. 
Porém, não podemos nos enganar ao pensar que ele tenha chegado à fase adulta. Ao contrário, acredita-se que viva a mais pulsante adolescência, repleto de conflitos, dúvidas, acertos e erros, mas completamente vivo e mergulhado nas mais intensas aspirações (e contradições...) que esta fase deste ciclo da existência revela. Para tanto, apresentou-se, neste trabalho, uma análise crítica sobre pontos obnubilados no que se refere aos procedimentos auxiliares da Lei nº 12.462/11, especialmente se comparados ao regime geral da Lei nº 8.666/93.

 

 

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